Este é um tema que desde julho de 2010, quando comecei a estudar mais sobre autismo, sempre me causou muitas dúvidas.
Preciso confessar que, naquela época, pouco sabia sobre autismo e sobre os direitos das pessoas com deficiência. Não tenho vergonha em dizer que também não sabia nada sobre a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Aliás, nem sei se há faculdades que tem uma disciplina específica para tratar sobre os direitos das pessoas com Deficiência, só posso dizer que na Faculdade de Direito da USP, em 1997, quando me formei, esta disciplina não existia. Tive oportunidade de estudar sobre Direitos das Crianças e dos Adolescentes, uma das minhas grandes paixões, sobre Direito do Consumidor, mas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência não lembro de ter tido nenhuma aula específica.
Faço essa introdução para mostrar o quanto conhecemos pouco os direitos das pessoas com deficiência, em especial a legislação internacional, que hoje está incorporada como norma constitucional.
Mas, voltando a nossa pergunta inicial, as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) podem ser consideradas pessoas com deficiência com base no nosso ordenamento jurídico?
Hoje não tenho qualquer dúvida que a resposta é SIM.
Como vimos no post anterior, para a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, “as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, com interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas“.
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – texto revisado (DSM – IV-TR), o transtorno autista, o transtorno de Rett, o transtorno Desintegrativo da Infância, o transtorno de asperger e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação são transtornos globais do desenvolvimento, fazendo parte dos transtornos mentais geralmente diagnosticados pela primeira vez na Infância e Adolescência.
Assim, com base no DSM-IV-TR não podemos negar que o transtorno global do desenvolvimento, que inclui o transtorno autista, o transtorno de asperger e outros transtornos, são transtornos mentais.
Bom, voltando ao conceito da Convenção, a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos a longo prazo de natureza MENTAL (e destaco mental, pois não se confunde aqui com intelectual), que com interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
O impedimento de natureza MENTAL não foi inserido como sinônimo de INTELECTUAL, mas como uma forma de impedimento DIVERSA. O mental, no conceito da convenção, refere-se justamente aqueles que tem transtorno mental, que pode se manifestar de várias formas, sendo no caso do autismo como um transtorno global de desenvolvimento, que afeta a interação social, a comunicação e gera interesses e comportamentos repetitivos e estereotipados.
Diante disso, sob meu ponto de vista, não há dúvidas que o autismo gera um impedimento de longo prazo de natureza MENTAL que com INTERAÇÃO COM DIVERSAS BARREIRAS, pode, sim, obstruir a PARTICIPAÇÃO PLENA E EFETIVA NA SOCIEDADE EM IGUALDADES DE CONDIÇÕES COM AS DEMAIS PESSOAS.
Além disso, não podemos esquecer que, a maioria das pessoas com transtorno do espectro autista, ainda tem, como comorbidade, deficiência intelectual. Então, além do impedimento de natureza mental ainda tem o impedimento de natureza intelectual. O INTELECTUAL aqui se refere ao déficit intelectual.
Bom, a, muitos me perguntariam, se a legislação, sob seu ponto de vista, é tão clara por que aprovar um projeto de lei, como o PLS 168/11 para considerar as pessoas com transtorno do espectro autista, PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, pessoas com deficiência?
A resposta é simples. Vejam quantas linhas precisei utilizar para explicar que autismo é uma deficiência com base na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e, mais, como disse, esta é a minha interpretação (meu ponto de vista), podem haver outros em sentido contrário.
E quem sofre com estas discussões de interpretação?
Infelizmente aquele que mais precisa: as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) que acabam não atendidas nem pelos equipamentos de saúde mental e, muito menos, pelos equipamentos destinados as pessoas com deficiência.
Com a aprovação do PLS 168/11, que esperamos seja sancionado em sua integralidade, as discussões de interpretação acabam e as pessoas com TEA passam a ser CONSIDERADAS, PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, fazendo jus também aos direitos que são garantidos as pessoas com deficiência.