A polêmica do art. 7.º do PLS 168/11

O art. 7.º do Projeto de Lei do Senado 168/11, resultado da emenda elaborada pela Deputada Federal Mara Gabrilli e que recebeu pequenas alterações na Comissão de Direitos Humanos no Senado, ficou com a seguinte redação:

Art. 7º O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar de maneira discriminatória a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punível com multa de três a vinte salários mínimos e, em caso de reincidência, perderá o cargo, por meio de processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Parágrafo Único. Ficam ressalvados os casos em que, comprovadamente, e somente em função das especificidades do aluno, o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico ao aluno com transtorno do espectro autista.

O art. 7.º, como qualquer dispositivo de lei, não pode e não deve ser interpretado isoladamente. Para compreendê-lo precisamos interpretá-lo em conjunto com os demais artigos do Projeto de Lei e também outras normas de nosso ordenamento jurídico.

Para começar, vamos analisar o PLS 168/11 que traz diversas diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Entre estas diretrizes, a que temos que destacar é a que está relacionada diretamente ao art. 7. e que trata do direito à educação dos estudantes com TEA e está assim redigida:

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

 (…)
IV – a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular e a garantia de atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos, quando apresentarem necessidades especiais e sempre que, em função de condições específicas, não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular, observado o disposto no Capítulo V (Da Educação Especial) do Título V da Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional;

(…)

Assim, o PLS 168/11 adota como REGRA a inclusão em escola regular com garantia de atendimento das necessidades especiais, da mesma forma que faz nossa Constituição Federal, o Estatuto da Criança e Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Mas o projeto vai mais além, também no art. 3.º afirma que é direito da pessoa com TEA o acesso à educação e, não para por aí, no parágrafo único afirma que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado.”

Tudo para o quê?

Garantir a inclusão em salas regulares como REGRA.

É verdade, entretanto, que esta REGRA admite uma EXCEÇÃO.

E qual é?

A EXCEÇÃO É CLARA: quando EM FUNÇÃO DE CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DOS EDUCANDOS não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular.

E para garantir que não haja violação desta regra, nem desta exceção foi, então, inserido o art. 7.º que NÃO É UM TIPO PENAL (ou seja, não é crime ou contravenção penal), mas UMA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA como muitas que estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 245 a 258-B (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm).

Esta infração administrativa, inserida no PLS 168/11, é dirigida ao gestor ou autoridade competente (de ESCOLA PÚBLICA), que recusar de maneira discriminatória a matrícula da pessoa com transtorno do espectro autista ou que tenha outra deficiência.

Já o parágrafo único do artigo 7.ºprevê justamente uma exceção que é para aqueles casos que em razão das especificidades do aluno o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico.

Assim, a REGRA CONTINUA SENDO A INCLUSÃO E A VEDAÇÃO A DISCRIMINAÇÃO COM PUNIÇÃO DO GESTOR EXCETO SE PELAS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DO ALUNO FOR MAIS BENÉFICO PARA ELE SER INSERIDO EM SERVIÇO EDUCACIONAL FORA DA REDE REGULAR.

Alguns poderiam questionar se isto viola a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Sob meu ponto de vista, não há qualquer violação.

Explico.

A Convenção tem como princípio a inclusão e, mais, assim como o PLS 168/11, tem um dispositivo que dispõe que para que ocorra a inclusão deve ser assegurado pelos Estados que “as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência“.

Para efetivar este dispositivo da Convenção, o PLS 168/11 prevê uma sanção administrativa àqueles gestores ou autoridades que discriminarem estudantes com TEA ou outras deficiências na matrícula no ensino regular.

E por que há então uma exceção?

Porque, como todos sabem, não temos um único AUTISMO, como muitos já dizem atualmente, temos AUTISMOS, de leve a severo. Diria até, em alguns casos, muito severo, que vai necessitar de um atendimento absolutamente especializado, que infelizmente não será possível na sala regular. E posso dizer isso com a experiência de quem já atendeu mais de 300 familiares de pessoas com TEA e ouviu histórias de muito sofrimento em tentativas de inclusão impossíveis.

Além disso, não podemos ser ingênuos em achar que todas nossas escolas públicas no Brasil, nem mesmo a maioria delas, encontram-se no momento adaptadas as necessidades especiais educacionais das pessoas com TEA em seus diversos graus, incluindo os mais severos.

E nunca é demais lembrar que a Convenção é muito clara quando afirma que não é a pessoa com deficiência que tem que se adaptar ao meio, mas o meio que tem que ser adaptado para recebê-la. Basta para isso ler o conceito definido pela Convenção sobre o que é adaptação razoável, que  “significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais

Assim, não sou contra e nunca serei contra a inclusão plena, é um princípio que devemos perseguir SEMPRE, mas no momento a exceção é necessária e por isso este artigo deve ser mantido, já que não é possível se pensar em colocar uma pessoa com TEA em um local que não tem adaptação razoável e que poderá violar seus direitos fundamentais como a integridade física e a vida.