Sobre as mudanças na execução da ação civil pública de autismo

Como noticiei no post anterior (Ano novo e a velha ação civil pública de autismo) a execução da ação civil pública que condenou o Estado de São Paulo não foi extinta, mas houve mudanças na forma de execução e aqui falarei um pouco mais sobre elas.

A ação civil pública, como todos sabem, é uma ação coletiva que condenou o Estado de São Paulo a prestar atendimento adequado para as pessoas com transtorno do espectro do autismo nas áreas da saúde, educação e assistência.

E como é executada esta sentença que condenou o Estado?

De 2 formas: coletiva e individual.

De forma coletiva, é acompanhada a política pública do Estado de São Paulo como um todo, ou seja, o serviço prestado para as pessoas com transtorno do espectro do autismo nas escolas públicas estaduais e nas unidades terapêuticas do Estado, bem como nas entidades e escolas conveniadas e credenciadas com o Estado.

No que se refere a esta parte coletiva, de acordo com a nova decisão da Juíza, o Estado deverá em 12 meses demonstrar os avanços na sua política pública nos termos da Lei 12.764/12 e também do Decreto 8.368/14, devendo ainda fiscalizar os serviços prestados por suas unidades próprias e conveniadas.

Agora, de forma individual, a execução extrajudicial se inicia com os pedidos de atendimento adequado para crianças, adolescentes e adultos dirigidos diretamente às Secretarias da Saúde e da Educação do Estado, que tem 30 dias para analisar esta solicitação.Para mais informações de como é feito este pedido, consulte Serviços Públicos do Estado de São Paulo para pessoas com TEA

A execução judicial individual, por meio de um advogado particular ou pela Defensoria Pública do Estado, só é cabível se não houver resposta ao pedido pelo Estado de São Paulo, por meio de suas Secretarias da Saúde ou da Educação, ou ainda quando o pedido feito é negado e há discordância sobre esta negativa.

E aqui, pela nova decisão, foram definidas as fases desta execução judicial , que, de certa forma, já vinham ocorrendo na prática:

“1) uma vez formulado o pedido de execução, a Administração será intimada para, extrajudicialmente, e em prazo não superior a 60 dias, realizar laudo do autista por uma equipe interdisciplinar, suspendendo-se a execução;

2) após, no prazo de 10 dias, a Administração irá propor um perfil de atendimento ao autista, de acordo com o seu caso específico; se o laudo indicar a necessidade de prestação do serviço municipal, o ente público municipal será intimado,também, para se manifestar e compor a oferta de atendimento junto com o Estado, de acordo com os recursos disponíveis na rede; caso haja aceitação, a oferta será homologada,extinguindo-se a execução.

3) em caso de rejeição da oferta de atendimento, o autista ou seu responsável se manifestará, no prazo de 10 dias. Após, a FESP (Fazenda Pública do Estado de São Paulo) será intimada para impugnação da obrigação de fazer, prosseguindo-se judicialmente com a execução.”

 

O acompanhante especializado na escola para a pessoa com TEA

Muitas pessoas me perguntam se as escolas regulares, públicas e privadas, são obrigadas a fornecer acompanhante especializado para pessoas com transtorno do espectro do autismo (TEA). E se as escolas, especialmente privadas, podem cobrar mais por este acompanhante especializado.

Pelo parágrafo único do art. 3.º da  Lei 12.764/12 (Lei Berenice Piana) “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado.”

Embora o inciso IV do art. 2º da Lei, que tratava da diretriz da educação tenha sido vetado, o dispositivo do acompanhante especializado permaneceu e pode ser aplicado.

Mas afinal quando a escola deve fornecer este acompanhante especializado?

De acordo com o dispositivo “em casos de comprovada necessidade”.

Assim, é em todos os casos? Não, só naqueles que houver necessidade e esta estiver comprovada.

Bom, e como se comprova esta necessidade? Entendo que isto pode ser feito por um laudo médico ou até mesmo por um relatório de um pedagogo ou psicopedagogo. Neste laudo ou relatório, deve o médico ou pedagogo dizer os motivos pelos quais há necessidade de disponibilização deste profissional.

Agora, uma questão importante e que já levantava desde a promulgação da lei é quem é este acompanhante especializado? É um cuidador que auxilia nas atividades da vida diária como higiene, locomoção e alimentação? Ou é um mediador, no caso um auxiliar na sala de aula que contribui para facilitar a comunicação e interação social da pessoa com TEA? Sempre entendi que como a lei não esclarecia, poderia ser um ou outro profissional ou até um que exercesse as duas funções, dependendo, claro, da necessidade do aluno.

Ocorre, porém, que no final do ano passado foi publicado o Decreto 8.368/14 que veio regulamentar a Lei 12.764/12. Neste Decreto, que tenho sérias dúvidas se não extrapolou em diversos pontos o poder regulamentar, o parágrafo 2º do art. 3.º dispõe que “caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar, nos termos do parágrafo único do art. 3.º da Lei 12.764/12”.

Assim, pelo Decreto o acompanhante especializado é aquele que realiza, em caso de comprovada necessidade, “apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais” das pessoa com TEA, ou seja, seria um profissional que exerceria a atividade de cuidador (apoio a locomoção, alimentação e cuidados pessoais) e também de mediador (apoio às atividades de comunicação e interação social).

Mas e se a criança ou adolescente precisar apenas de um mediador ou de um cuidador? Não vejo problema em ser disponibilizado um profissional que exerça apenas parte das funções. Já que sob meu entendimento, a criança ou adolescente com TEA não precisaria necessitar de apoio nas 5 (cinco) atividades descritas para fazer jus ao acompanhante especializado, já que se assim interpretássemos o Decreto acabaríamos por restringir direitos, o que seria ilegal. Dessa forma, bastando necessitar de apoio para uma delas, desde comprovado, o acompanhante deve ser disponibilizado.

Algo importante é que o médico ou pedagogo/psicopedagogo deixe claro no relatório as atividades (entre as elencadas) para as quais a criança ou adolescente com TEA necessita do acompanhante especializado até para que o profissional que exercerá esta função tenha a formação específica.

Bom, superada esta questão, passemos a segunda: a escola pode cobrar a mais para disponibilizar este acompanhante especializado?

Quanto à escola pública não há qualquer dúvida que não pode, já que o serviço é gratuito. Quanto à escola particular, poderia haver alguma discussão. Porém, esta cobrança a parte não é possível, já que cria um obstáculo para inclusão da pessoa com deficiência, levando a uma situação de desigualdade com os demais alunos.

Para orientar que as escolas privadas que não realizem esta cobrança, o Ministério da Educação emitiu a Nota Técnica 24/2013 que dispõe que “as instituições de ensino privadas, submetidas às normas gerais da educação nacional, deverão efetivar a matrícula do estudante com transtorno do espectro autista no ensino regular e garantir o atendimento às necessidades educacionais específicas. O custo desse atendimento integrará a planilha de custos da instituição de ensino, não cabendo o repasse de despesas decorrentes da educação especial à família do estudante ou inserção de cláusula contratual que exima a instituição, em qualquer nível de ensino, dessa obrigação.”

As cobranças pelas escolas privadas tem sido tão comuns e prejudiciais a inclusão das pessoas com deficiência, que há inclusive um projeto de Lei do Senado n.º 45/15, de autoria do Senador Romário (PSB-RJ), que proíbe a cobrança de taxa adicional para alunos com deficiência física, sensorial ou intelectual em escolas. A proposta também estabelece que os pagamentos feitos acima do valor da mensalidade, que não sejam cobrados para todos os alunos, deverão ser ressarcidos. Neste caso, o reembolso deverá ser o dobro do que foi pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. Este projeto encontra-se ainda em tramitação, mas não menciona especificamente o transtorno do espectro do autismo.

Portanto, para resumir podemos dizer o seguinte: a pessoa com TEA tem direito ao acompanhante especializado sempre que tiver comprovada necessidade e não poderá haver cobrança por parte da escola para disponibilização deste profissional.

Artigo escrito por Renata Flores Tibyriçá

Para entender a ação civil pública (ACP) de autismo em São Paulo

Muitos familiares de pessoas com transtorno do espectro do autismo (TEA) perguntam sobre a existência de uma “bolsa” para pessoas com TEA no Estado de São Paulo, que permitiria custear escolas e tratamento para os filhos.

Porém, o que muitos desconhecem é que não existe uma “bolsa”, mas sim uma decisão judicial decorrente de uma ação civil pública (número 0027139-65.2000.8.26.0053) proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em 2000 e cuja decisão foi dada pelo juiz em 2001 e confirmada pelo Tribunal de Justiça em 2005, tendo transitado em julgado em 2006.

Por esta decisão judicial o Estado de São Paulo foi condenado a:

1) A providenciar unidades especializadas próprias e gratuitas para o tratamento de saúde, educacional e assistencial às pessoas com autismo, em regime integral e parcial especializados para todos os residentes no Estado de São Paulo; e

2) Enquanto não tivesse estas unidades, poderia realizar convênios com entidades adequadas não estatais, arcando com custas integrais do tratamento (internação especializada ou em regime integral ou não), da assistência, da educação e da saúde específicos.

Com isso, iniciaram-se execuções individuais desta ação civil pública, determinando-se que o Estado custeasse os tratamentos e as escolas mediante reembolso dos valores pagos às entidades particulares pelo sistema de depósitos judiciais. Muitos, por não terem condições de pagar um advogado, procuraram a Defensoria Pública para fazer este pedido.

Em 22/02/2008, no entanto, o Juiz da 6.ª Vara da Fazenda Pública proferiu decisão no processo principal que extinguiu todos os processos de habilitação para execução da sentença e impediu novos processos de habilitação para este fim. Menos de dois meses depois, ainda em 2008, o Tribunal de Justiça, após recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo, suspendeu esta decisão do juiz da 6. Vara da Fazenda Pública, mas as execuções individuais extintas tiveram que ser analisadas separadamente. Também em 2008, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo passou a atuar no processo na defesa de todos os hipossuficientes econômicos do Estado de São Paulo. O Estado, então, firmou convênios na área da saúde e fez parcerias na área da educação.

Em 2010 uma nova juíza assumiu a 6.ª Vara da Fazenda Pública e, ao dar andamento ao processo principal da ação civil pública, desmembrou todas as execuções, abrindo processos individuais para cada uma delas. Realizou reuniões com o Estado para elaboração de políticas públicas para atendimento de pessoas com TEA.

Em setembro de 2011, o Estado publicou edital de credenciamento pela Secretaria de Educação para credenciar escolas interessadas em prestar atendimento educacional para pessoas com TEA e, em agosto de 2012, publicou edital de credenciamento pela Secretaria de Saúde para credenciar entidades terapëuticas.

Em março de 2014, o Ministério Público do Estado de São Paulo pediu o arquivamento da ação civil pública baseando-se, principalmente, na Lei 12.764/12 ( Lei Berenice Piana). Para conhecer a íntegra do pedido, clique aqui.

O Estado de São Paulo se manifestou, apresentou a política atualmente existente e concordou com o pedido, e a juíza da 6.ª Vara da Fazenda Pública, em outubro de 2014, decidiu marcar duas audiências públicas, nos dias 25 e 26 de novembro de 2014, para discutir o pedido feito pelo Ministério Público. Para conhecer a íntegra desta decisão, clique aqui

A Lei 12.764/12 e sua principal importância

Hoje é um dia de comemoração!

O Brasil, com a publicação da Lei 12.764/12, passa a ter uma Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O Projeto de Lei do Senado n. 168/11 foi apresentado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal com apoio do Senador Paulo Paim, mas foi redigido por mães e pais de pessoas com autismo e contou com uma grande mobilização popular para sua aprovação.

Não podemos deixar de destacar a importância nesta mobilização de Berenice Piana, Ulisses da Costa Batista e Fernando Cotta que foram incansáveis na defesa e na aprovação do Projeto com as emendas apresentadas pela Deputada Federal Mara Gabrilli quando relatora na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara Federal.

O principal avanço da lei é o parágrafo único do art. 1. que dispõe que “a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais“. Este dispositivo põe fim a qualquer discussão se as pessoas com TEA podem ser consideradas pessoas com deficiência. Elas, para todos efeitos legais, são pessoas com deficiência e ponto. Não se precisa mais recorrer a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para chegar esta conclusão. Sobre este tema segue link de outro post que pode interessar: https://aliberdadeehazul.com/2012/12/16/as-pessoas-com…om-deficiencia/

Assim, as pessoas com TEA hoje no Brasil tem expressamente reconhecidos os direitos que todas as pessoas têm e, mais, todos os direitos que todas as pessoas com deficiência também têm, que estão previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), no Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA) e na Lei 7853/89, bem como no Plano Viver sem Limites.

Evidentemente a Lei, por definir diretrizes gerais de políticas públicas, ainda necessita de regulamentação nesta parte, mas este parágrafo, que é o grande avanço, não precisa de regulamentação e pode ser aplicado imediatamente.

Um exemplo, de aplicação imediata, é o art. 5. da Lei 12.764/12 que dispõe que “a pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe o art. 14 da Lei no 9.656, de 3 de junho de 1998″.

Portanto, todos os direitos garantidos em nosso ordenamento jurídico, incluindo os previstos nessa nova lei, que não necessitem de regulamentação já podem ser exigidos do Poder Público.

Com isso não se pode negar as pessoas com TEA o direito à prioridade no atendimento conferido às pessoas com deficiência; o direito à adequação dos ambientes de acordo com suas necessidades seja na área da saúde, da educação, do trabalho; o direito de não ser discriminado em razão de sua deficiência; o direito a concorrer a vagas referentes a cotas na área privada ou pública; direito de adquirir veículos com isenção de impostos; o direito de estacionar em local destinado às pessoas com deficiência, entre outros tantos direitos que poderia passar horas citando aqui.

Não há, então, qualquer dúvida do avanço obtido com a Lei 12.764/12. Quanto aos vetos os analisarei num outro post detalhadamente.

Para aqueles que tiverem interesse em conhecer o texto da nova lei na íntegra, deixo abaixo o link para acessá-lo: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm

Como são feitas as leis?

Há uma célebre frase, atribuída ao chanceler do Império Alemão Otto von Bismark, sobre esta questão: “os cidadãos não poderiam dormir tranqüilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.

Assim, melhor não saber? Ao contrário, devemos saber para entender e, principalmente, participar do processo legislativo, já que as leis, após sancionadas, serão aplicadas e ninguém poderá dizer que não as conhece. As leis também, depois de sancionadas, não podem ser alteradas na sua redação exceto por uma nova lei ou para analisar um veto.

Bom, neste post tratarei da Lei Ordinária Federal, ou seja, da forma mais comum de elaboração de normas pelo Congresso Nacional. São exemplos de lei ordinária o Código Civil, o Estatuto da Criança e Adolescente e agora também a Lei que trata da Política Nacional de Proteção aos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

As leis ordinária podem ser criadas na Câmara dos Vereadores, na Assembleia Legislativa e também pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e, conforme a Casa Legislativa que as aprove chamamos de lei municipal, estadual ou federal, respectivamente.

O processo legislativo ordinário, ou seja, a forma como as leis ordinárias são criadas tem algumas fases que devem ser seguidas até que o projeto de lei seja aprovado e podemos dizer que “virou” lei.

INICIATIVA

A iniciativa define quem pode sugerir uma nova Lei Ordinária e apresentar  um projeto.

De acordo com a Constituição Federal, podem apresentar um projeto de lei ordinária federal:

  • Presidente da República;
  • qualquer Deputado ou Senador;
  • Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional;
  • o Supremo Tribunal Federal, os tribunais superiores e o Tribunal de Contas da União e o Procurador-Geral da República (neste caso apenas para projetos relacionados ao Judiciário Federal e ao Ministério Público Federal);
  • a população (desde que atendido o requisito: assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, espalhado por pelo menos em 5 Estados, sendo que deve haver um mínimo de 0,3% dos eleitores de cada um dos Estados – art. 61, parágrafo 2. da CF)

DISCUSSÃO E DELIBERAÇÃO

A fase de discussão acontece nas Casas Legislativas com a análise do Projeto de Lei nas Comissões e depois no Plenário. O objetivo da discussão é verificar se a lei está de acordo com a Constituição Federal e também de acordo com o interesse público. Nesta fase, podem ser apresentadas emendas pelos parlamentares (deputados e senadores).

Após a discussão, o projeto de lei é votado (o que se chama de deliberação) em cada uma das Comissões e depois no Plenário.

Importante dizer que esta deliberação (votação nas Comissões) só ocorre quando há previsão no Regimento Interno da Casa Legistativa e também não há recurso de um décimo dos membros da Casa para votação no plenário.

O Brasil adotou, na área federal, o sistema de duas câmaras, chamado de bicameral. Assim, o projeto de lei deve ser discutido e aprovado na Câmara dos Deputados e depois no Senado Federal, exceto quando o projeto for de iniciativa de um Senador ou Comissão do Senado, hipótese que começará a discussão e deliberação diretamente nesta Casa.

Em cada uma das Casas, o projeto pode ser aprovado ou rejeitado. Se houver emenda na casa Revisora, ou seja, se na segunda, quando da discussão do projeto, este for emendado, o Projeto volta para a primeira casa para uma nova análise.

Exemplo: no caso do Projeto de Lei do Senado 168/11, que hoje (28/12/2012) foi publicado no Diário Oficial como lei ordinária federal de número 12.764/12 e trata da Política Nacional de Proteção das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, este foi apresentado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. Diante disso, primeiro foi discutido e votado no Senado, depois foi para Câmara, onde recebeu emendas propostas pela Deputada Federal Mara Gabrilli, relatora na Comissão de Seguridade Social e Família. Como as emendas foram aprovadas no Plenário da Câmara, retornou para o Senado para analisar as emendas, parte delas foram rejeitadas e as demais aprovadas. Então foi encaminhado para sanção presidencial.

SANÇÃO OU VETO

Depois que o projeto passa pela discussão e deliberação, sendo aprovado nas duas Casas Legislativas, é remetido ao Poder Executivo, mais especificamente para seu chefe, que é o(a) Presidente(a) da República, que poderá sancioná-lo ou vetá-lo.

A sanção é a forma como o Poder Executivo mostra sua concordância com o projeto de lei e, o veto, que sempre deve ser expresso, ao contrário, mostra sua discordância. O(A) Presidente(a) tem 15 dias para avaliar o projeto.

Entretanto, esta discordância (veto) não pode ser sem fundamento, só pode ocorrer em duas hipótese: contrariedade ao interesse público ou na inconstitucionalidade (quando o projeto está em desacordo com a Constituição).

O veto, por outro lado, não é insuperável, ele gera uma nova apreciação pelo Poder Legislativo, que pode derrubá-lo pelo voto da maioria absoluta dos membros (Deputados e Senadores) do Congresso, em sessão conjunta e votação secreta.

Uma outra característica do VETO é que ele pode ser PARCIAL ou TOTAL. Isto significa que o(a) Presidente(a) pode vetar o projeto inteiro ou parte dele. No entanto, o veto parcial tem que ser do texto integral do artigo, do parágrafo, do inciso ou da alínea, ou seja, pode se retirar apenas o artigo, parágrafo, inciso ou alínea inteiros e não parte deles.

Depois de publicado o veto, os motivos do veto são enviados ao Presidente do Senado Federal em 48 horas.

Os vetos devem ser analisados em até 30 dias. Se não apreciados, são incluídos na ordem do dia.

Na prática, há muitos vetos a serem analisados na ordem do dia e muitas vezes só acabam sendo analisados por pressão popular.

PROMULGAÇÃO

A promulgação é feita pelo(a) Presidente(a) da República em até 48 horas após a sanção ou veto.

O objetivo da promulgação é dar conhecimento do que esta na lei e indicar que ela é válida, executável e obrigatória.

PUBLICAÇÃO

A publicação é o meio que se dá conhecimento ao público em geral de que a lei existe. É feita por meio do Diário Oficial.

Muitas leis não indicam a partir de quando terá vigor. Se não houver esta indicação, o prazo para que a lei entre em vigor é de 45 dias. A este prazo se dá o nome de vacância (ou em latim vacatio legis).

Por outro lado, há leis que indicam uma data ou um prazo diferente para que a lei tenha vigor.

Como exemplo, cito novamente a Lei 12.764, que trata da Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com TEA, que foi publicada hoje. No seu art. 8. está expressamente que “esta lei entra em vigor na data de sua publicação”. Assim, desde hoje a Lei 12.764 já pode ser exigida de quem tem obrigação de cumpri-la.

A polêmica do art. 7.º do PLS 168/11

O art. 7.º do Projeto de Lei do Senado 168/11, resultado da emenda elaborada pela Deputada Federal Mara Gabrilli e que recebeu pequenas alterações na Comissão de Direitos Humanos no Senado, ficou com a seguinte redação:

Art. 7º O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar de maneira discriminatória a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punível com multa de três a vinte salários mínimos e, em caso de reincidência, perderá o cargo, por meio de processo administrativo, assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Parágrafo Único. Ficam ressalvados os casos em que, comprovadamente, e somente em função das especificidades do aluno, o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico ao aluno com transtorno do espectro autista.

O art. 7.º, como qualquer dispositivo de lei, não pode e não deve ser interpretado isoladamente. Para compreendê-lo precisamos interpretá-lo em conjunto com os demais artigos do Projeto de Lei e também outras normas de nosso ordenamento jurídico.

Para começar, vamos analisar o PLS 168/11 que traz diversas diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Entre estas diretrizes, a que temos que destacar é a que está relacionada diretamente ao art. 7. e que trata do direito à educação dos estudantes com TEA e está assim redigida:

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

 (…)
IV – a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular e a garantia de atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos, quando apresentarem necessidades especiais e sempre que, em função de condições específicas, não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular, observado o disposto no Capítulo V (Da Educação Especial) do Título V da Lei n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional;

(…)

Assim, o PLS 168/11 adota como REGRA a inclusão em escola regular com garantia de atendimento das necessidades especiais, da mesma forma que faz nossa Constituição Federal, o Estatuto da Criança e Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Mas o projeto vai mais além, também no art. 3.º afirma que é direito da pessoa com TEA o acesso à educação e, não para por aí, no parágrafo único afirma que “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado.”

Tudo para o quê?

Garantir a inclusão em salas regulares como REGRA.

É verdade, entretanto, que esta REGRA admite uma EXCEÇÃO.

E qual é?

A EXCEÇÃO É CLARA: quando EM FUNÇÃO DE CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DOS EDUCANDOS não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular.

E para garantir que não haja violação desta regra, nem desta exceção foi, então, inserido o art. 7.º que NÃO É UM TIPO PENAL (ou seja, não é crime ou contravenção penal), mas UMA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA como muitas que estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 245 a 258-B (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm).

Esta infração administrativa, inserida no PLS 168/11, é dirigida ao gestor ou autoridade competente (de ESCOLA PÚBLICA), que recusar de maneira discriminatória a matrícula da pessoa com transtorno do espectro autista ou que tenha outra deficiência.

Já o parágrafo único do artigo 7.ºprevê justamente uma exceção que é para aqueles casos que em razão das especificidades do aluno o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico.

Assim, a REGRA CONTINUA SENDO A INCLUSÃO E A VEDAÇÃO A DISCRIMINAÇÃO COM PUNIÇÃO DO GESTOR EXCETO SE PELAS CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DO ALUNO FOR MAIS BENÉFICO PARA ELE SER INSERIDO EM SERVIÇO EDUCACIONAL FORA DA REDE REGULAR.

Alguns poderiam questionar se isto viola a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência.

Sob meu ponto de vista, não há qualquer violação.

Explico.

A Convenção tem como princípio a inclusão e, mais, assim como o PLS 168/11, tem um dispositivo que dispõe que para que ocorra a inclusão deve ser assegurado pelos Estados que “as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência“.

Para efetivar este dispositivo da Convenção, o PLS 168/11 prevê uma sanção administrativa àqueles gestores ou autoridades que discriminarem estudantes com TEA ou outras deficiências na matrícula no ensino regular.

E por que há então uma exceção?

Porque, como todos sabem, não temos um único AUTISMO, como muitos já dizem atualmente, temos AUTISMOS, de leve a severo. Diria até, em alguns casos, muito severo, que vai necessitar de um atendimento absolutamente especializado, que infelizmente não será possível na sala regular. E posso dizer isso com a experiência de quem já atendeu mais de 300 familiares de pessoas com TEA e ouviu histórias de muito sofrimento em tentativas de inclusão impossíveis.

Além disso, não podemos ser ingênuos em achar que todas nossas escolas públicas no Brasil, nem mesmo a maioria delas, encontram-se no momento adaptadas as necessidades especiais educacionais das pessoas com TEA em seus diversos graus, incluindo os mais severos.

E nunca é demais lembrar que a Convenção é muito clara quando afirma que não é a pessoa com deficiência que tem que se adaptar ao meio, mas o meio que tem que ser adaptado para recebê-la. Basta para isso ler o conceito definido pela Convenção sobre o que é adaptação razoável, que  “significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais

Assim, não sou contra e nunca serei contra a inclusão plena, é um princípio que devemos perseguir SEMPRE, mas no momento a exceção é necessária e por isso este artigo deve ser mantido, já que não é possível se pensar em colocar uma pessoa com TEA em um local que não tem adaptação razoável e que poderá violar seus direitos fundamentais como a integridade física e a vida.